Receba as notícias:

Gatos são «peritos» em mecânica de fluídos

Felinos conciliam forças da gravidade e da inércia para beber a alta velocidade

2010-11-11
Por Carla Sofia Flores
Cutta Cutta foi um dos gatos analisados no estudo (Foto:Pedro Reis, Micaela Pilotto e Roman Stocker)
Cutta Cutta foi um dos gatos analisados no estudo (Foto:Pedro Reis, Micaela Pilotto e Roman Stocker)
Alguma vez se lembrou de observar e questionar a forma como os gatos bebem? Pois foi o que fez Roman Stocker, colaborador do investigador português Pedro Reis no Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), que há três anos, durante um pequeno-almoço, se interrogou “como é que bebe o meu gato?”, longe de imaginar o quão se iria surpreender.

Desta “pequena curiosidade científica” resultou a conclusão de que estes animais "percebem" muito de mecânica de fluídos, conciliando as forças da gravidade e da inércia para beberem, contou ao “Ciência Hoje” Pedro Reis, especialista em mecânica de sólidos deformáveis que, curiosamente, não tem gatos domésticos.

Para além dos resultados obtidos, salta ainda à vista o facto de, pela primeira vez na história da ciência, vídeos do Youtube terem sido utilizados como ferramenta numa investigação, ao que, em tom de brincadeira, o investigador chamou de “Youtubelogia”.

Em conversa com o “Ciência Hoje”, Pedro Reis, cientista português a exercer funções no MIT e autor principal do estudo publicado hoje na “Science”, explicou que esta investigação reveladora do processo por detrás da forma como os gatos bebem surgiu pela “mera curiosidade” de estudar um dos fenómenos físicos inseridos no dia-a-dia das pessoas, mas que nunca tinha sido abordado em ciência. No entanto os resultados obtidos surpreenderam e podem ser aplicados no desenvolvimento da robótica flexível.

“Descobrimos que utilizam um método muito sofisticado ao nível da mecânica de fluídos. Trata-se de um processo dinâmico e muito rápido, pelo que conseguem dar quatro lambidas por segundo à velocidade de um metro no mesmo período de tempo”, destacou.

Pedro Reis admite a aplicação dos resultados obtidos à robótica flexível (Foto: Donna Coveney)
Pedro Reis admite a aplicação dos resultados obtidos à robótica flexível (Foto: Donna Coveney)
Desta forma, o gato torna-se no animal mais rápido do mundo a lamber, num recorde inalcançável para o ser humano, por exemplo. “Eu já tentei beber da mesma forma com essa velocidade e não consigo”, gracejou o investigador, que confessou ser um experimentalista.

Fechar a boca no “momento exacto”

Na base do processo a que os felinos recorrem para beber está a mecânica de fluídos, onde intervêm, entre outros parâmetros, a viscosidade, a gravidade e a inércia. Os gatos só recorrem a estes dois últimos.

Quando bebem, há um equilíbrio entre a inércia – movimento vertical induzido pela língua do gato – e a gravidade. A coluna do líquido que está a ser ingerido forma-se por acção da primeira força, que inicialmente “vence” a gravidade. No entanto, à medida que o seu volume aumenta, a força gravítica começa a ganhar. Outra das “proezas” dos gatos consiste no facto de fecharem a boca no exacto instante em que o volume da coluna é máximo, de forma a optimizar o processo. “Eles instintivamente conseguem explorar a mecânica de fluídos de uma forma brilhante”, congratulou-se Pedro Reis.

Língua mecânica da ISS

O estudo começou do ponto de vista observacional, com recurso a câmaras especializadas para filmar a “alta velocidade”. Depois da análise das imagens e da teoria ter sido desenvolvida, houve a necessidade de testar vários parâmetros, pelo que os investigadores refizeram o processo em laboratório com recurso a uma “língua mecânica”.

Utilizaram o protótipo de uma experiência a ser usado na Estação Espacial Internacional (ISS), que simula o movimento da língua dos felinos e conseguiram estabelecer os critérios para estudar mais pormenorizadamente o fenómeno: o tamanho do órgão muscular, a altura máxima e a velocidade a que se movia.

Depois desta etapa, sentiram ainda a necessidade de testar o processo em felinos de maior porte, pois os gatos domésticos têm um tamanho muito similar, tornando-se insuficientes para comprovar que todos os animais desta família bebiam da mesma forma.

                      
                       Simulação do processo em "língua mecânica"

Começou a era da “Youtubelogia”

É nesta fase que o Youtube entra, pela primeira vez, na história da investigação científica. Para além de ter feito observações no Zoo New England – para medir a frequência de várias espécies de felinos -, Pedro Reis e os colegas recorreram ao site de partilha de vídeos para complementar as suas observações.

“O Youtube chegou à ciência, pela primeira vez. Começou a era da Youtubelogia e esta é só mais uma das vertentes inovadoras do estudo”, brincou o português, acrescentando que este recurso implicou várias formalidades legais, para que todo o processo não pudesse ser posto em causa futuramente.  

Língua é um músculo hidro-estático pois não tem suporte esquelético (Foto: Micaela Pilotto, Roman Stocker e Pedro Reis)
Língua é um músculo hidro-estático pois não tem suporte esquelético (Foto: Micaela Pilotto, Roman Stocker e Pedro Reis)
Depois de todas as observações efectuadas, os investigadores concluíram ainda que os animais mais pesados, como os leões, bebem com uma frequência mais baixa, de forma a manter o equilíbrio entre a inércia e a gravidade.

Dos gatos à robótica

Apesar de poder parecer que este estudo trata apenas curiosidades científicas, o investigador português frisou que os resultados obtidos podem ser aplicados à robótica flexível, que estuda os músculos hidro-estáticos, isto é, que não têm suporte esquelético, como a língua, a tromba dos elefantes ou os braços dos polvos.

“É uma área em fase inicial, mas muito ‘na moda’ em robótica. Nós mostrámos que com estes órgãos conseguem-se funcionalidades muito complexas como beber a alta velocidade”, concluiu Pedro Reis, dizendo ainda que tinha sido “um prazer falar de ciência em português”, algo que não fazia com frequência há 15 anos.

Para ver vídeos das observações realizadas, clique aqui.

marizete assis alves
2010-11-19
01:44
ADOREI ESTA REPORTAGEM.
Obrigada.

Adicionar comentário:

Comentário
Nome:
Email:
Insira as letras na caixa
Ciência Hoje não publica comentários anónimos. Ciência Hoje só publica comentários identificados com nome e email para eventual posterior contacto. Ciência Hoje recusa publicar comentários insultuosos ou ataques pessoais.

Últimas notícias

Ciência e arte no Soares dos Reis

Lixo de astronautas transformado em escudo anti-radiação

Mais portuguesas a fomentar a melhoria do meio ambiente

UBI lidera consórcio para criar
sistemas de propulsão do futuro

Dez por cento da população portuguesa usa um smartphone

Vacina contra Alzheimer revela-se eficaz em ratinhos

Nasa cria fato igual ao da personagem de «Toy Story»

Portugueses descobrem mecanismo que leva
a cancro da bexiga por infecção parasitária

Investigadores propõem novo modelo
de teletransporte quântico

NASA e ESA cooperam em futura missão tripulada

Sociedade Portuguesa de Inovação estuda
ciência e tecnologia da China

Nasa diz que 2012 foi um dos dez anos
mais quentes desde 1880

Moby Dick: o lagarto subterrâneo recém-descoberto

Em breve a Terra estará em directo a partir do Espaço

Cometa ISON pode tornar-se num fenómeno “espectacular”

Novo mundo de materiais à base de fibras na Medicina

Substâncias, químicos e moléculas

Chimpanzés demonstram ter sentido de justiça

Homens na faixa dos 30 têm mais perda de desejo sexual

Bactéria comum 'Serratia liquefaciens'
poderia sobreviver em Marte

Investigadores fornecem pistas inéditas
sobre possibilidade de vida em exoluas

Pão consumido em Portugal é seguro,
apesar de ter substâncias possivelmente carcinogénicas

Luís Mendes investiga fósseis em âmbar
que contam história da biodiversidade

Estrela mais antiga encontrada até agora

Novo material da UA bate qualidade
de coroas dentárias disponíveis

CMU Portugal reúne investigadores
e apresenta estratégia para segunda fase

Galardoado trabalho pioneiro em Portugal
com estruturas como elemento sensor

Registada maior galáxia espiral do Universo

Dieta rica em fibra pode impedir
progressão de cancro da próstata

Nova ilha no mar do Norte consolidou-se em apenas dez anos